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quarta-feira, 18 de maio de 2011

Tempo.

Eu estava sozinha, tentando esquecer que a casa estava vazia, eu acendi as luzes, liguei o som, parei na frente do espelho e fiz um esforço para lembrar de como eu era quando criança.

Eu procurei os cachos nos meus cabelos e eles haviam sido destruídos pela minha vaidade, eu procurei os olhos azuis que ganhei no céu ou de onde quer que eu tenha vindo e eles estavam verdes, eu procurei o vestido lilás que eu adorava usar e ele tinha sido substituído por uma calça apertada e uma blusa indecente, eu procurei o corpo leve de criança que me permitia subir em qualquer lugar, procurei a expressão de choro que tomava meu rosto quando algo me era negado e ela havia se transformado em uma face possuída pela raiva de alguém que seria capaz de cometer uma maldade.

O tempo passou, me deixou decepções de uma infância que não foi tão ruim, mas podia ter sido melhor, levou rostos que eu queria muito lembrar e outros que eu daria qualquer coisa para apagar de vez, me tirou pessoas que eu amava com todo o meu coração, me fez conhecer gente que eu jamais deveria ter me aproximado, arrancou de mim a inocência, me tirou parte da doçura, criou sentimentos que uma criança jamais teria, me tornou capaz de desejar o mal de alguém, me deu a sede de vingança, o tempo me tornou irreconhecível até para mim mesma.

Parada na frente do espelho, eu não sabia quem era, não conseguia chegar até o fundo do meu coração para saber o que realmente existia dentro dele, lembrei das pessoas que me cercam e alguns rostos me arrancaram sorrisos, lembrei de quem me faz ou já me fez bem.

Com todas as confusões que atormentam os meus sentimentos, eu descobri que nem o tempo com toda a sua força, com toda a sua capacidade de ajeitar e destruir as coisas, com toda a responsabilidade que tem de resolver nossos problemas porque é assim que esperamos que aconteça, nem o tempo conhecido por me arrancar o que é bom pode tirar a minha essência.

Ele vai continuar passando e eu só vou ver quando tiver ido embora, ele vai me tirar mais pessoas, vai me arrancar lembranças, vai me deixar o que hoje dispenso com todas as forças, mas nunca será capaz de me tirar o amor que guardo, não o amor pelas pessoas porque esse vai embora quando a decepção chegar, mas o amor por tudo que é verdadeiro, forte, sólido, fiel, sincero, resistente e difícil, mas conquistável, ele nunca vai me tirar o amor pela vida.






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